Quando Jéssica beijou na boca pela primeira vez, chorou de emoção. Lágrimas jorraram de seus olhos tal a emoção que sentiu. Como podia ser tão bom! A batida descompassada do coração a fazia sentir um pouco de vergonha. Será que ele está escutando esse tambor que não para de bater? E ela queria mais beijos, mais língua, mas grude de boca. Beijou o mais que pode. Lauro estava feliz. Oferecia sua boca, deixava-a sugar a língua, morder, lamber e, então, se lembrou das pastilhas de menta que sempre trazia no bolso. Fartaram-se e se lambuzaram de tanto passar bala de menta de uma boca à outra.
Foi uma experiência inesquecível.
Jéssica e Lauro estudavam no mesmo colégio e moravam na mesma rua. Freqüentavam os mesmos lugares, mas se observaram e se mediram por um bom tempo, antes de se tornarem namorados.
Jéssica era uma menina mimada habituada a ter tudo do bom e do melhor. Bonita, era uma espécie de líder da turma, e a que lançava moda. As outras meninas a copiavam e no fundo, também a invejavam.
Lauro gostava de vôlei. Integrava a seleção juvenil do Flamengo e queria se profissionalizar. Garoto bonito podia escolher a menina que quisesse, mas seus olhos sempre foram para Jéssica.
As famílias ficaram preocupadas porque eram ainda muito jovens e engatar um namoro tão cedo podia trazer problemas. Catorze anos ela, dezesseis anos ele. Mas o namoro não interferiu nos estudos nem no comportamento social deles. Continuavam a sair com os amigos, mas reservavam alguns programas só para eles.
Depois de algum tempo de namoro surgiu a primeira saia justa. Jéssica pediu à mãe o telefone do ginecologista.
- Pra quê? quis saber Mirtes.
- Ora, mãe, não dá mais pra ser virgem. Estou preparada para ter sexo com Lauro e quero fazer tudo direitinho, falou na bucha.
Mirtes sentiu a cabeça rodar, mas agüentou o tranco.
- Minha filha você é tão novinha. Não quer esperar um pouco mais?
- Não, mãe, já disse que estou preparada. Gosto muito do Lauro e quero que ele seja o primeiro. E além do mais, sou a única menina virgem do meu grupo.
Primeiro? A única virgem? Mas, quantos namorados você quer ter? Mirtes pensou, mas não disse. Deu-lhe o telefone do médico e à noite comentou com o marido. Estava confusa. Tudo foi muito depressa e ela não estava preparada para o início da vida sexual de sua filha que ontem, ainda era um bebê. Nessa noite não quis ter sexo com o marido. O marido, ao contrário da mulher, tirou de letra o início da vida sexual da filha.
- É assim mesmo, minha gata. O Lauro é um garoto legal, melhor com ele, que a gente conhece a mãe, o pai, você não acha?
- E isso faz alguma diferença?
- Claro, querida. Você não acha melhor ela ter a sua primeira noite com o namoradinho que ela adora, ao invés de ser com qualquer um à saída de uma festa?
- Bem, lá isso é verdade. Mas ela é tão jovem!
- Nós temos que acompanhar o ritmo de nossa filha, para entendê-la melhor, não acha não?
- Você tem razão. Você sabe que ela me disse que era a única virgem do grupo de amigas?
- Num disse? Relaxa. Vem cá e me dá um beijo.
Num fim de semana que os pais de Lauro foram para Petrópolis, ele convidou Jéssica para ficar com ele. Trocou os lençóis de sua cama, arrumou como pode a bagunça do quarto e separou uns cedês de músicas que, sabia, eram as preferidas da namorada.
Jéssica estava entre apreensiva e curiosa. Adorava o namorado e sentia as vibrações de seu corpo todas as vezes que ele lhe tocava. Para a ocasião especial comprou lingerie nova e ficou contando os dias para o almejado fim de semana.
Na sexta-feira, um pouco antes de Lauro chegar para buscá-la, ela chegou para os pais, que viam televisão na sala, e anunciou.
- Vou passar o fim de semana com o Lauro. Os pais deles viajaram e deixaram a casa pra gente.
Nem Mirtes nem Reynaldo conseguiram dizer alguma coisa. A mãe sentiu a garganta travar e o pai teve um acesso de tosse. Depois de segundos que pareceram horas, a mãe falou:
- Não se esqueça de levar a escova de dente.
Nisso, a campainha tocou. Jéssica beijou os pais apressadamente e saiu feliz.
Mirtes, no que a porta fechou, desandou a chorar no ombro do marido.
- Depois de tudo que conversamos, senti um choque danado. Só consegui lembrar da escova de dente. Fui uma besta. E você, tão preparado, tão cheio de compreensão, numa hora dessas ficou calado, não me ajudou em nada. Tossiu o tempo. O que ficou travado na garganta, meu bem?
- Pois é, me rendo. Fiquei engasgado. Quase que fui lá dizer pra ele tratar bem da nossa menina. Ainda bem que a tosse não deixou. Ia fazer papel de palhaço. Claro que ele vai tratar bem da Jéssica. Bem de mais, eu espero.
- Pára de gozação. Numa altura dessas, você faz piada?
Jéssica ligou no sábado.
- Oi mãe, tudo bem? Eu estou legal. Foi só pra dar um alô pra vocês não ficarem preocupados, e desligou.
- Reynaldo, ela está legal. Ai, meu Deus. E chorou de novo.
Alguns meses depois foi a vez de Jéssica trazer Lauro para o seu quarto, quando os pais dela foram passar um fim de semana em Paraty.
Namoraram dois anos. A família de ambos já dava o casamento como certo, até que Jéssica conheceu Cláudia Regina.
Cláudia Regina era uma aspirante à cantora. Começava a fazer shows bastante concorridos. Esperava apenas, uma oportunidade para gravar um cedê, e ela sentia que o seu momento estava próximo a explodir. Conhecera Jéssica e Lauro numa balada e ficara amiga de Jéssica, imediatamente.
Passaram a estar juntas em todos os lugares, na praia, nos programas de fim de semana, nas baladas. Lauro implicou um pouco com esse grude. Comentou com a namorada e acrescentou.
- Vou apresentar o Alex pra Cláudia. Quem sabe assim a gente fica com mais tempo pra gente?
- Ah, Lauro, que é isso? Tá com ciúmes? A gente tá junto todo o dia, o que você quer mais?
- Não sei, alguma coisa nela me põe um pouco pra trás. É estou com um pouquinho de ciúmes, sim, e abraçou a namorada.
Lauro apresentou Alex para Cláudia Regina, mas nada aconteceu. Na verdade os dois se detestaram de cara.
Uma tarde arrumando o armário de seu quarto, dependurada na escada, Jéssica se desequilibrou e caiu, torcendo o pé. Levada ao hospital imediatamente teve o pé engessado. Repouso absoluto por quinze dias.
Assim que soube do acidente, Cláudia se ofereceu para fazer companhia a Jéssica. Levou chocolates, revistas e o violão. As duas passam a tarde, no quarto, conversando e rindo. Cláudia aproveitou para cantar as músicas de seu novo show, olhando de uma maneira intensa para Jéssica. Ela sentiu um frio na barriga e uma estranha excitação tomou conta de seu corpo. Ficou muito mexida. Quando acabou de tocar, Cláudia perguntou o que ela achava das músicas. Jéssica adorou todas. Nisso a porta do quarto se abriu e Lauro entrou sem se fazer anunciar. Cumprimentou Cláudia com um aceno de cabeça e foi direto beijar a namorada. Jéssica empalideceu com a entrada súbita dele, e meio sem graça deixou-se beijar.
Lauro não gostou muito de ver Cláudia instalada no quarto de Jéssica, mas engoliu a sua insegurança.
No dia seguinte, Cláudia voltou à casa de Jéssica, sem o violão. Traz DVDs de shows e dança. Jéssica ao vê-la entrar no quarto, sentiu de novo o frio na barriga. Cláudia se inclinou para beijar Jéssica, sua mão deslizando pela coxa da amiga, com muito cuidado. Jéssica pressionou a mão de Cláudia, conduzindo-a delicadamente para cima. A mão de Cláudia Regina vai subindo devagar, muito devagar. Jéssica sentiu o coração bater descompassado, um prazer invadindo seu corpo, a mesma emoção que teve com Lauro, no primeiro beijo. Ofereceu a boca para Cláudia. Beijaram-se e se tocaram. Jéssica gostou da delicadeza de Cláudia, mas se sentiu estranha e culpada.
- Será que eu também gosto de mulher? Não, eu gosto é da Cláudia Regina.
Eu não sou lésbica.
Cláudia passou a visitar Jéssica todos os dias e Mirtes não simpatizou com Cláudia Regina.
Quando Jéssica tirou o gesso, a primeira providência foi terminar o namoro com Lauro. O rapaz quis saber o motivo e ela disse que não o amava mais. Ele não se conformou. Um dia, ao ligar para o celular da ex-namorada, quem atendeu foi Cláudia. Ríspida com ele passou o telefone para Jéssica. Os dois não tinham mais muito que falar e a cabeça de Lauro deu um estalo.
- Jéssica está de caso com a Cláudia. Eu sabia. Bem que o Alex falou que a garota era sapatão, mas eu não quis acreditar.
Os amigos não tomaram partido, a não ser uma piadinha aqui e outra acolá e ficou tudo por isso mesmo.
Jéssica estava em conflito. Não se via lésbica e sentia um pouco de culpa quando acariciava Cláudia. Gostava do toque feminino em seu corpo. Mais do que o masculino.
O cedê de Cláudia Regina estourou e vendeu milhões de cópias. Ela começou a ser requisitada para shows, entrevista, e de um momento para o outro virou uma estrela. Comprou uma casa, um carro, investiu e cada vez ganhava mais dinheiro. Gravou outro cedê, os shows se sucederam e ela se firmou como uma das melhores cantoras do país.
Jéssica e Cláudia decidiram morar juntas e assumir o relacionamento abertamente. O momento mais difícil para Jéssica foi dizer para os pais, que estava apaixonada por Cláudia Regina e que ia viver com ela.
Os pais levaram um susto. A mãe, já havia desconfiado e torcia que fosse apenas um romance sem importância. Mas, quando se viu confrontada com a realidade, não soube o que dizer. Fugiu-lhe o chão dos pés e teve uma crise de labirintite. Precisou se segurar para não cair. O pai achou que fosse enfartar. Por um momento o silêncio pairou ameaçador.
- Você está apaixonada pela Cláudia, minha filha?
- Estou mamãe. E qual é o problema? Vocês têm amigos gays.
- É, filha, uma coisa é ter amigos gays, outra é ter a filha gay. A gente se preocupa com você. Você vai ser discriminada, pode sofrer. Mas estou do seu lado.
Você está feliz?
- Estou.
- Então, conte comigo.
Os dias que se seguiram ao anunciado foram os mais reflexivos para Mirtes e Reynaldo. Sonhavam tudo para a filha: um bom marido, filhos, boa situação financeira, e agora o sonho era outro. Gabavam-se de não serem preconceituosos, mas perceberam que eram, e muito. Mas não havia muito a fazer. Sempre foram bons pais, educaram a filha dentro de princípios que achavam certo. Se ela gostava de mulher e estava feliz, eles não podiam fazer mais nada. Ou aceitavam ou perdiam a filha tão amada.
Aceitaram.
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