quarta-feira, janeiro 19, 2011

O HORROR NO VALE DO CUIABÁ



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ESTA FOTO É MINHA E DO REX, RETIRANTES DA TRAGÉDIA DO VALE DO CUIABÁ, ABAIXO A MINHA EXPERIÊNCIA:

Foi na madrugada do dia 12 de janeiro que a tragédia desabou sob as serras fluminenses. A chuva estava intermitente desde dezembro, o solo encharcado, o rio cheio de detritos e grossos troncos de árvores encravados no meio do curso fluvial, e só não via quem não queria enxergar, o desastre que se avizinhava. E a água chegou, violenta, veio de cima, na nascente do rio, resultante de uma cabeça de água que se formou e provocou a cachoeira que veio destruindo e arrancando tudo em volta. Estávamos dormindo, e à princípio não entendi a gritaria, a energia faltou, era um breu total e apenas os gritos suplicantes dos que morriam levados pelo rio, impiedoso, irado, caudaloso, chegavam aos nossos ouvidos, atônitos. Vi tudo, vi o horror, vi a miséria e o sofrimento humano como jamais pensei vêr. Vi uma casa de dois andares arrancada do solo e seus ocupantes gritando por socorro, talvez sem consciência de que nada podíamos fazer. Ao amanhecer, a destruição se fez presente, todas as casas destruídas parecendo cenário de guerra, paredes que me pareceram de papelão, melhor condizentes a um filme de terror, corpos passando flutuando, bichos, mesas, geladeiras, cadeiras, nessas horas a mente esvazia, lágrimas não descem, eu pelo menos, fiquei oca, balbuciando um pai-nosso canhestro, pedindo proteção divina aos que deixaram a vida de forma tão trágica. Estávamos ilhados, sem perigo, com o rio dobrado de tamanho, pardo, com ondas de mar aberto. Demoraram mas chegaram os primeiros funcionários municipais, bombeiros, defesa civil e um pequeno número de sobreviventes, os retirantes do vale, os que sobraram do extermínio brutal de suas famílias, andando de um lado para o outro, desesperados, perdidos na sua dor, muitos com seus cães, os eternos amigos fieis que não desgrudam em hora nenhuma de seus donos, salvo se morrerem, e muitos também morreram. Essa gente mais humilde foi quase que toda dizimada e os que sobraram perderam tudo, sinceramente não sei como vão sobreviver. Milagrosamente estou salva, minha casa não corre perigo, meu carro continua na porta, só que não posso tirar meus pertences, não há ponte ainda. Hoje fui lá, uma semana após a desgraça. O cheiro fétido está por todo o lugar, a estrada já melhorou bastante, o tempo continua inclemente, e a destruição ainda está por toda a parte. Cambaleei e chorei pelas pessoas que foram, o Vale do Cuiabá acabou e em se tratando de Brasil, duvido muito que venha a recuperar metade da beleza do que era. Quando a gente vê retrato de político na frente de casa muito pobre, e o pouco que eles sempre fizeram por essa gente, dá uma vontade de colocá-los todos no paredão, e acabar logo com a raça. No Vale do Cuiabá não se vê nenhum trabalho de encosta, nenhum cuidado em relação a limpeza do rio, que só é feita uma vez no ano, e muitas casas a poucos metros do barranco do rio. Tudo isso sob o olhar complacente do poder público. Casas e sítios de pessoas mais abastadas também acabaram, a casa de família Gouvêa Vieira, que estava comprando terras e mais terras no vale, onde a familia de amigos morreu inteira, não restou nem uma parede. Sinto que houve um divisor na minha vida, quem eu era antes dessa tragédia vivenciada e outra, sobrevivente, que pouquíssimo sofreu materialmente, mas muito emocionalmente.

segunda-feira, janeiro 10, 2011

QUERIDOS AMIGOS

Tinha visto o primeiro capítulo e não devia estar num dia bom, não me entusiasmei muito, achei um pouco déja vu, pois me fez lembrar de um filme dirigido por Lawrence Kasdan. E foi agora, no final de 2010 e início de 2011 que vi a série toda, emocionada até a alma, não só pelo elenco extraordinário, direção e texto soberbo. O período de tempo em que ocorr o seriado eram os meus anos dourados em contraponto aos anos de treva do país. Nunca fui engajada, aliás era bem alienada, mas acompanhava estarrecida esse período truculento, ignorante e autoritário do período militar, onde tantos foram torturados e mortos, enquanto outros se exilaram. E esse texto roteirizado de forma brilhante, me trouxe de volta um passado tão recente. Os atores brilharam, a turma bateu e levou com uma categoria que se tivesse que premiar algum não saberia quem escolher. Uma direção de arte primorosa, uma escolha de canções marcantes, enfim uma minissérie que é uma lição de vida também, onde os amigos são mesmo amigos, estão lá para quem precisar. Um achado o personagem de Dan Stulbach, mágico e emocionante ligando e aproximando as estórias dos amigos, enquanto vivia intensamente os últimos dias de sua vida.