O CERIMONIAL DO GOVERNADOR


Sérgio Mendonça de Barros Neto era um político ambicioso. Almejava a Presidência da República. Muito rico e sem escrúpulos, fazia qualquer aliança que lhe garantisse permanência no poder. Não andava sem seguranças e fazia questão de ser onipresente. Num mesmo dia pela manhã era fotografado numa missa em Salvador, à tarde almoçando em São Paulo e à noite numa festa no Rio de Janeiro.

- Ué , esse cara não trabalha?

- E você já viu político trabalhar?

- Político não trabalha, rouba, mer’irmão.

E o povo ria e bebia mais uma cervejinha e fazia o bolão para ver quem seria o campeão da Taça Nacional.

Barros Neto começou como prefeito de uma cidade do interior onde sua família mandava e desmandava. Casou-se com Georgiana, uma moça tão rica quanto ele, e cuja família reinava no município vizinho. Mas o sogro avisou:

- Na nossa família as mulheres não se divorciam. Ficam viúvas.

Um bom álibi para Sérgio manter o seu casamento.

Com esta união Sérgio consolidou as alianças regionais, pautando seu caminho para o tão sonhado cargo de governador de estado.

Candidatou-se e foi eleito deputado federal por uma ampla margem de votos e trabalhou bastante durante os quatro anos do seu mandato para que nas eleições seguintes chegasse ao seu objetivo inicial.

Foi eleito.

Antes de sua posse fez uma única exigência ao chefe do gabinete civil:

- Quero no meu cerimonial, mulheres lindas. Para serem cobiçadas e eu invejado. Não precisam ter muito preparo. Se duas tiverem, já é o suficiente. Contrate uma mais velha e feia de qualquer secretaria estadual, pra não dizerem que não favoreço a prata da casa.

E falou para a sua mulher:

- Se submeta a uma dieta rígida. Para caber num manequim 38. Vamos ser

o casal mais bonito desse estado. Tipo Jack e Jackie Kennedy. O resto que se dane.

O chefe do gabinete civil e seus aspones (assessores de porra nenhuma) correram para contratar novas funcionárias. Choveu uma quantidade de filhas, sobrinhas de ministros, desembargadores, deputados, prefeitos do interior, todos desejando fazer parte dessa boquinha livre.

Finalmente foram escolhidas:

Cristiana- 22 anos. Filha de prefeito, professora primária. Casada.

Débora- 25 anos. Filha de desembargador, Noiva e formada em direito.

Cátia- 23 anos. Filha da amante de um ex-governador. Passou alguns anos na Austrália. Trabalhou para o partido do namorado da mãe.

Marcilene- 30 anos. Amante de um ministro. Segundo grau. Uma filha.

Eliane- 40 anos. Socialite, amiga da mulher do vice-governador. Casada pela segunda vez, três filhos e um neto.

Cilene- 50 anos. Funcionária de carreira. Professora, encarregada do fax e do telefone. Avó de dois meninos.

Mônica- 34 anos. Funcionária de carreira. Professora de português e inglês. Casada e sem filhos

Gilvan- 40 anos. Funcionário de carreira. Pau pra toda a obra. Curso primário. Vários filhos de mulheres diferentes.

Supervisionando o cerimonial, um diplomata, indicado por um amigo de infância.

Barros Neto começou seu governo prometendo investir na educação, na saúde, no meio-ambiente, segurança, etc., como fazem todos que se sentam na cadeira do poder máximo de seu estado, ou de seu país. E já nos primeiros meses mostrava serviço. Era inauguração de estrada pavimentada para os prefeitos do partido apenas; entrega de chaves de casas populares de quinta categoria; inauguração de hospital público de excelência, mas a festa era apenas no andar que estava pronto e mais nada seria construído até o fim do governo; programas assistencialistas em profusão, e mais almoços e cafés da manhã para os correligionários, amigos, amigas da primeira-dama, e muito blá-blá-blá. As meninas do cerimonial, totalmente perdidas em suas funções, metiam os pés pelas mãos, brigavam entre si, e não davam conta de tanto trabalho. O chefe do cerimonial corria de um lado para o outro, fazendo o possível e o impossível para não deixar furo. Era o único que entendia do riscado. E aquele departamento seguia frouxo e cambaleante.

Barros Neto se encantou platonicamente por Cátia. A morena era linda. Negros cabelos e olhos profundos. Conhecia o amante da mãe dela, e por conta dessa familiaridade cruzada, era um tanto paternal com a garota. Para tudo ele mandava chamar Cátia, até que resolveu colocá-la como sua secretária particular.

Georgiana sentiu cheiro de pólvora no ar quando viu Cátia sentada na ante-sala do marido. Mas como tinha um pai cabra macho, achou que o marido não ousaria traí-la.

- Vai ser capado. Ele que se atreva.

As meninas do cerimonial continuavam se matando entre si. As brigas no ambiente de trabalho já eram conhecidas de todo o mundo. Gritavam e se ofendiam bem alto, para todo mundo escutar. Uma vergonha. Sabiam da vida íntima uma das outras, uma vez que as cadeiras e mesas eram coladas e todos os telefonemas eram ouvidos, e a turma adorava falar no telefone. Havia uma funcionária que ligava todo o dia para casa para saber se a filha tinha tomado café, o que ia almoçar e a que horas tinha ido ao banheiro. A outra, por causa de problemas da tireóide entrou em descompasso e não raro enlouquecia quebrando cadeiras. A filha do prefeito, apesar de casada, estava apaixonada pelo chefe de segurança que, também, era casado. A socialite não raro faltava durante a semana por conta dos inúmeros jantares aos quais era convidada e que não podia deixar de ir. Achava que comparecendo passava uma boa imagem do governador.

A muito custo aprenderam a usar o computador e com modelos de cartas e ofícios, redigiam o mínimo necessário. A convivência daquelas mulheres era de uma baixaria a toda a prova. O caso de amor entre Cristiana e Romão, o parrudo chefe de segurança deu o que falar. A mulher de Romão quando descobriu ligou para a primeira-dama e contou da traição do marido. Chorou, falou dos filhos e conseguiu emocionar dona Georgiana que exigia do marido a exoneração da moça.

- Mas como, mulher, ficou doida? O pai dela é um grande aliado, como é que eu vou fazer?

- Fácil, manda ela de volta para a prefeitura de lá. Liga para o prefeito atual e pede. Afinal, você é o governador, tudo pode. Agora, Romão tem que sair também.

- Mas ele é competente, mulher.

- Dane-se. Ninguém é insubstituível, meu pai costuma dizer, só no casamento, lembra?

Barros Neto frente à tão forte argumentação não duvidou. Substitui Romão, que acabou se separando da mulher e hoje está casado com Cristiana, que se separou do marido.

Quando o governador oferecia os banquetes, aí sim, a cobra fumava. Era uma disputa descabelada para saber quem ia tomar a frente de tudo. Ganhava por metros de dianteira a socialite Eliane. Mulher muito rica trabalhava para não entrar em depressão. Queria ser útil à sociedade de qualquer maneira. Um sentimento de culpa que carregou para sempre, que nem o trabalho do cerimonial amenizou.

Eliane preparava uma mesa como poucas. Com gosto impecável ia armando desenhos com pratos, talheres e copos. Sua amiga, Flávia Helena, cujo buffet era o mais requisitado da cidade, completava o requinte gastronômico com o qual o governador brindava seus convidados.

As meninas do cerimonial adoravam essas festas. Sentavam-se às mesas, e disputavam em elegância e beleza com a primeira-dama os elogios em relação à graça e beleza da mulher brasileira. E isso para Barros Neto era o maior elogio que podia ser feito ao seu governo.

O problema maior era quando precisavam falar uma língua estrangeira. Ficavam mudas e o inglês de Miami não dava nem para começar. Se não fossem Cátia e Mônica o desastre seria total.

Débora era uma funcionária que se esforçava. Estava noiva de Roberto Alves cujo pai tinha uma das bancas de direito mais conceituadas na cidade. De inteligência mediana digitava bem, mas era incapaz de redigir qualquer coisa própria. Nunca havia trabalhado e no fundo se divertia com tarefas que nunca pensou que um dia faria. O dia que viu Guilherme Moreira, um dos seguranças do governador, quase desmaiou de emoção. O homem era um autêntico modelo de Calvin Kelin.

- Calvin Klein, Débora?

-É, Calvin Klein. Altíssimo, pernas adjetivas, olhos verdes de pantera, você quer o quê? Eu quero aquele homem.

- Você é noiva. Cuidado, não vá por tudo a perder, dizia Cilene, a mais velha, a mais ponderada.

Investigou os horários do rapaz e descobriu que ele fazia tiro ao alvo às 14horas no estande de tiro. Pediu ao chefe de cerimonial uma dispensa e foi para lá aprender a atirar. Mas de nada adiantaram suas investidas. Guilherme Moreira namorava Marcilene, que já estava cheia de ser a segunda mulher na vida do amante ministro. Ninguém sabia do namoro dos dois. Um dia, Marcilene apareceu grávida.

- Ué, você está grávida?

- Estou.

Todos acharam que era do ministro, mas ninguém perguntou.

O governador quando viu a barriga de Marcilene ficou preocupado. Conhecia Rômulo de Albuquerque e sabia que se a mulher dele desconfiasse que um filho dele com outra mulher estava prestes a vir ao mundo a coisa ia estourar para o lado dele. Chamou Marcilene e perguntou:

- Esse filho é de Rômulo?

- Não, excelência, é de Guilherme Moreira.

O governador ficou felicíssimo, pois não gostava dos olhares que o rapaz dirigia à Cátia. Se ele fez um filho em Marcilene é sinal que não está tão interessado em Cátia assim.

Próxima de dar à luz, Marcilene pediu demissão e foi ter o filho no México. Seu amante, o ministro, morreu pensando que tinha um filho mexicano. Sustentou a criança enquanto viveu. Meses depois Guilherme pediu demissão e foi para o México. Casou-se com Marcilene.

E com isso o cerimonial ficava cada dia mais desfalcado. Eliane saiu sem ninguém notar pela sua falta. Recebeu o pagamento durante alguns meses até que alguém se tocou que ela não era mais funcionária. Dessa vez o chefe mostrou força e contratou funcionários da casa, que fizeram bem melhor o dever de casa.

Enquanto isso, Gilvan cheio dos ataques de TPM daquelas mulheres, escreveu um poema e anonimamente o distribuiu em todos os departamentos:

“Não eram todas

mas as moças daquele Cerimonial

não atendiam às exigências do cargo

Nem cultas, nem educadas,

muito menos raffinées

ao contrário eram

boas de briga

onde a língua afiada

batia mais que porrete de guarda

O serviço exigia

cuidado, elegância, fidalguia

mas as meninas do Cerimonial

faziam tudo ao contrário

sem cerimônia, naquele gabinete

tão sem Cerimonial”

Foi um Deus-nos-acuda. Quem escreveu? Causava espanto o uso de uma palavra em francês que poucos conheciam. Então, quem escreveu sabe francês.

- E eu preciso tanto de alguém que fale francês, queixava-se o chefe do cerimonial.

O que ninguém sabia é que Gilvan teve ajuda de uma amiga que não só falava francês como até lhe deu uma ajudinha na revisão. Mas o mérito foi todo do rapaz que meses depois começou a escrever poemas. Entusiasmado com o nascer deste talento, se empenhou e hoje já tem dois livros publicados.

O governador fazia um governo medíocre igual ao seu antecessor de modo que pessoas lindas ou feias não faziam muita diferença. Aliás, a única lembrança boa que ficou do seu governo foi o trabalho do cerimonial no último ano de seu governo.

Muito bom.

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