MARÍLIA PÊRA E JOÃO GILBERTO
Marília foi uma das maiores atrizes brasileiras. Numa leitura pública da peça Vestido de Noiva, no Gláucio Gil, ela era a protagonista e eu fazia parte do coro. Direção do André Valli, um sujeito formidável, pra mim desprovido de ego inflado. Aliás, naquela época, 40 anos atrás, os atores e atrizes ainda não tinham sido alçados a condição de celebridades, e eram muito mais accessíveis. Menos Marília. Lembro-me que ao acabar a leitura, meus pais que tinham ido ver a peça, manifestaram desejo de lhe apertar a mão. Não me lembro se fui chamá-la ou se ela passou por nós e eu a chamei. E meu pai se derramou em elogios. E ela, não esboçou um sorriso.
A segunda vez que a vi foi no teatro Alaska. Ela dirigiu Um Molière espetacular, com Cláudio Gaya descendo pela plateia, falando em francês, anunciando a abertura da peça. Foi estonteante. Todos ficamos em transe. Como eu conhecia a dona do teatro, depois da peça fomos todos jantar. Nessa época Marília estava com Nelson Motta. No restaurante, pedi a Regina, a dona do teatro, que me apresentasse à Marília. Em poucos minutos ela voltou com a atriz, e de novo, a antipatia de Marília me inibiu e fiquei sem saber direito o que falar.
Houve uma terceira, quando ela fazia Doce Deleite com seu grande amigo Marco Nanini. Texto de Alcione Araujo, por quem ela esteve apaixonada. A peça era ótima, e ao terminar, não sei porquê e nem como, estava na garagem do shopping da Gávea esperando um carro que nos levaria para algum lugar, que não me lembro aonde. Conosco Marília e Nanini. Antipaticíssimos. Fiquei tão nervosa, queria elogiar, me mostrar simpática, mas não houve brecha. Sem falar na cara de tédio dos dois.
E na quarta vez em que a vi foi no Teatro Municipal, ela com este último companheiro, bebericando no Assyrius. Quando entrei senti que alguém me observava e quando nossos olhos se encontraram, ela rapidamente desviou ou seus.
Gostava muito da atriz, não perdia seus espetáculos, e espero que com esse relato ninguém julgue que estou falando mal dela. Registro apenas encontros por essa vida, porque sempre fomos parelhas em idade e a vi pela primeira vez dançando num espetáculo A ùlcera de ouro, no Ginástico. Quando lhe falei desse primeiro encontro, ela apenas disse: Nossa, tanto tempo.... Voilà.
Ah sim, e quando fazia balé na academia de Eugenia Feodorova, sempre a via se esticando na barra. Adorava Marília Pêra, seu atuar debochado, irônico, genial e sabia que por trás da máscara teatral, a criatura devia ser difícil no trato. Aliás Agildo Ribeiro, um de seus companheiros dizia: "Vivia com Marília num quitinete em Copacabana. Imaginem conter Marília num quitinete".
Marília brigou com muita gente e nos últimos anos só trabalhava em família.
Mas, por que estou escrevendo sobre ela? Por conta da homenagem de Nelson Motta no seu programa na GloboNews. Bateu uma dor de saber que não poderia mais vê-la, se bem que também não vi suas últimas peças, e me veio a lembrança esses pequenos encontros, que para mim, foram relativamente interessantes. Agora, ficou a lembrança eterna dessa grande atriz nos arquivos televisivos e fotos de família. Sugiro um museu dedicado a ela.
Já João Gilberto apreciava de longe. Amava sua pequena voz, a maneira genial como alcançava notas mais agudas e seu senso obsessivo por afinação. Intrigava-me também os anos que morou no flat do Rio Design, só saindo de madrugada. Diziam que passava o dia de pijama dedilhando o violão. Bem, cada um tem sua mania.
Conheci o pai de Astrud, um alemão, muito simpático, já bastante idoso, na década de 70, na biblioteca Thomas Jefferson, uma joia que ficava na esquina da Rua Santa Clara com Av. Atlântica. Ele se orgulhava da filha, que estava com João nos EUA. Foi naquela época de ouro que Jobim e outros também levavam a música brasileira para o Carnegie Hall.
Sinto muita pena dos dias finais de João. Estava velhíssimo, uma sombra opaca do que foi. Triste, mesmo, mas fica a imagem dele mais jovem e sua música para sempre na eternidade musical.
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