O FERRO DE PASSAR ROUPA

Mirinha ficava fascinada com a agilidade de Preta Zé. A moça passava a ferro como ninguém. Estalava os dedos, molhava na língua um ou dois e os tacava no ferro quente. Um shhhhh rápido sibilava no ar junto com a vontade que Mirinha tinha de fazer aquilo algum dia.
Pé ante pé, a menina chegou à lavanderia. O ferro estava sobre a tábua de passar roupa. Ligou-o na tomada e esperou esquentar. Ao invés de seguir o exemplo de Preta Zé, levou-o diretamente à língua. Ouviu o shhhh sibilado dentro de sua boca. Levou um susto com a dor e, por um átimo, achou que sua língua ficaria pra sempre grudada no ferro. Com ela em brasa, tirou o ferro da tomada, saiu correndo em direção ao seu quarto e lá ficou até a hora do jantar.
Não deu muita atenção quando o pai chegou com uma barra de chocolate, a que ela mais gostava. Encheu o pai de beijinhos e não comeu o chocolate, como era o seu costume. A língua incomodava tanto que ela ficou com medo de ser descoberta quando abrisse a boca. Sim, porque era tão travessa, que a mãe tinha prometido que na próxima aventura em que ela se machucasse, umas boas palmadas iriam aquietá-la.
Na hora do jantar, se sentou à mesa e fez biquinho para a sopa.
– Quero não, mamãe, falou, espantada ao constatar que mesmo com a língua machucada as palavras saiam, embora o esforço pra falar direito fosse enorme.
– Você está falando esquisito, disse a mãe. Que aconteceu?
– Nada não, mãe, estou com um sono. Posso ir dormir?
– Vai, depois levo um copo de leite pra você. Não vai comer nem o chocolate?
- Amanhã.
E foi assim que Mirinha escapou de umas palmadas e nunca mais chegou perto do ferro de passar roupa.

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