O HOMEM E SEU CARRO

Todos os dias, às 7 horas cravadas, eu dava de cara com ele, passando uma flanelinha no seu carro, lustroso e tão limpo que qualquer pessoa podia nele se mirar, e além da imagem refletida, podia se chegar a ver até o fundo da alma. E ele tirava um pozinho aqui, outro acolá, esperando a filha descer para levá-la ao colégio.

Era um sujeito de meia-idade, altura mediana, claro, de cabelos brancos com um topete rebelde, óculos de hastes negras, uma ligeira barriga impedindo o bom caimento do cinto, e o que me chamava à atenção, era o fato de estar sempre com a mesmíssima roupa, embora limpa e com as calças bem vincadas. Nunca cheguei a ver sua mulher, e vi sua filha apenas uma vez. Era bonitinha a pequena, calma e delicada. Lembro-me que entrou no carro com o maior cuidado para não amassar a saia do colégio.

O carro era luxuoso em contraste visível com o prédio onde morava: um edifício de três andares, sem garagem, modesto para os padrões da rua, ladeada por edificações com playground, piscina, sauna, bosque e garagens de dois andares.

Mudei meus horários e nunca mais vi o vizinho.

Passaram-se alguns anos e ontem, o revi. Passou por mim com uma flanelinha na mão, e eu procurei imediatamente o Vectra de outrora. Dessa vez era um Honda Fit prateado, luzindo de tão limpo, esperando a hora de entrar em ação. Seu dono olhava para ele em franca adoração. Não esperei para ver a menina. Sorri feliz de vê-lo ali. Recebi no coração uma lufada de lembranças de tempos mais felizes.

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