CRÔNICA DE UM DOMINGO CHUVOSO




O dia amanhece gelado. Geladíssimo, em se tratando de uma cidade tropical. Minha garganta, de novo, dá sinal que precisa de cuidado, mas eu tenho que sair com o Rex. O cachorro precisa das caminhadas diárias, como eu também, para digerir as calorias em excesso, principalmente em dias como esse. Vestimos capas de chuva e lá fomos em direção ao Mundo Novo, de cujo ponto mais alto se tem uma vista deslumbrante de Botafogo. Eu ia pensando nas mudanças climáticas que ocorrem no planeta e no quanto isso vem afetando o clima. Amigos viajantes se queixando do calor em Praga e em Budapeste e gente morrendo de calor na França e na Espanha. Onde isso vai parar?Daqui a pouco vai nevar no Rio de Janeiro. Mas talvez isso não seja para a minha geração. Meus netos, quem sabe? Recolho os sacos plásticos que encontro pelo caminho e constato a sujeira que deixamos nas nossas calçadas.
O caminho é bonito e sem trânsito aos domingos. Subo a ladeira, observando as árvores e me deixando inebriar por um cheiro de eucalipto. Meu cachorro, em perfeita sintonia com o ambiente, vai ao meu lado sem puxar a coleira, cheirando e deixando rastro pelo calçamento irregular.
A comunidade é pobre, mas bastante limpa e ordeira. Vi pessoas varrendo a entrada de suas casas, nenhum papel ou lixo no chão, e o que mais me chamou a atenção foi a música, bem alta, não a ponto de incomodar o vizinho, mas bastante audível a quem passasse. Ouvi Bethânia e outros que não conheço. Canções que embalavam pessoas que acordavam que tomavam café ou, quem sabe, faziam amor? Com um tempo desses, ficar na cama é uma boa pedida. No meio do caminho uma espécie de coreto. Minha imaginação flui olhando a tosca construção. Bailes semanais, políticos fazendo promessas mirabolantes, casamentos? Um altar de uma santa qualquer cravada na rocha, também me chamou a atenção. Havia velas e alguns votos. A comunidade tem fé na santa. Num vão, entre o coreto e o altar, motocicletas adormecidas cobertas por uma lona. Várias, numa ordem de dar inveja. São dos moto-boys, moradores da comunidade. Ganham uma graninha subindo e descendo, faça sol ou chuva eles defendem o seu. Um senhor varreo coreto. Pergunto as horas. Surpreendo-me. Estou andando há bastante tempo. A chuva cai mais forte, intermitente. Cubro a cabeça e maldigo o tempo, a roupa já mostrando os resultados. Rex marcha impávido, senhor da calçada, alheio à chuva. Um cachorro late à sua passagem, do alto de um muro enorme. Grito pra ele. Rapaz, não te meta à besta, a altura é grande. Mas ele nem liga, os latidos são para o Rex, que olha pra cima e nem se digna a dar um latido sequer. Continuo a caminhada e paro numa clareira em que se avista a cidade. Que coisa mais linda. A névoa paira sobre o dia cinzento. Nem a chuva nem o frio tiram a beleza do que vejo. Mas todo o cuidado é pouco. Passos desavisados me levarão ao Santa Marta, que fica do ladinho. Mas que inveja de seus moradores pela vista que têm.
Volto em baixo de chuva. Espirro e começo a tossir. Nada de licor ou de conhaque. Me entupi de antibióticos e rezei pra que a gripe passe longe dessa vez.

Comentários

Anônimo disse…
Li a tua poesia :
Achei um pouco pobre.
Faz um esfoço e coloca uma pitada de enjambement.

pra ser sincero: não dá T,

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