O CHAPÉU
Foi a primeira coisa que viu. Antes de ver o homem viu o chapéu. Das histórias da cidade, houve uma época, de fato, em que as pessoas usavam chapéu. Homens e mulheres. Era chique. A elegância feminina se completava com luvas e meias de seda. Para ela, tudo isso era um horror. Não se imaginava vivendo naquele tempo. A cidade é quente, o verão africano,e quanto menos roupa melhor. Imagine só, luvas e meias de seda!
O cara era jovem, agora ela olhava o homem, o chapéu misteriosamente fazendo uma certa sombra no seu semblante, não era feio o tipo. Ele notou o interesse dela, e sorriu, e ela sorriu de volta. Ele se aproximou e começaram a conversar. Descobriram que moravam próximos. Trocaram números de telefones e ficaram de se encontrar breve. Ela torceu para que no encontro ele não fosse de chapéu.
No dia seguinte ela esperou o telefonema. Não veio. Ela não quis ligar. Talvez por conta do chapéu, ele fosse um cara das antigas e ela não queria se mostrar oferecida.
Três dias depois, falaram-se e combinaram um encontro- pra dali a alguns minutos. Ele morava próximo, num pé estava na casa dela.
Viu o chapéu se aproximando e se sentiu incomodada. Por que ele insistia tanto no chapéu? Vai ver é calvo, tem piolho ou já tem cabelo branco e quer esconder. Descobriu que era puro charme e que ele gostava bastante de usar. Ela achou que o relacionamento não ia dar certo. Tinha medo do diferente, para ela o legal era todo mundo mais ou menos igual, no mesmo padrão.
Ele lhe contou uma história triste. Apesar de estar com vinte e quatro anos, era viúvo. A mulher morrera num incêndio, grávida, há dois anos, e ele ainda estava perdido. Ela ficou embatucada. O cara usava chapéu, passara por um trauma violento, não podia dar certo. Ele falava da falecida, mas fazia carinhos nela. Que estranho, será assim mesmo? Beijaram-se, ele se despediu e ficaram de se ver novamente.
O romance foi suave. Ele era carinhoso, atencioso, a chatice era que agora começara a falar da cunhada, que tinha a idade dela e era a cara da falecida. E continuava a usar chapéu. Tinha vários. E ela continuava a implicar com esse hábito, do século passado, da época de seu avô.
Ele era um partidão e ela sentiu que se fizesse uma pressãozinha poderiam se casar. Ela queria muito um marido, qualquer um. Ele queria uma mulher. Só que estava na dúvida, entre ela e a cunhada. A batalha era desigual. A cunhada exercia certo poder sobre ele. E ela não sabia até que ponto ele se entregava aos encantos da outra. Virou o jogo. Conheceu o irmão mais novo dele, numa festa de rua. Os dois estavam juntos e ele apresentou. O irmão foi super simpático, mais jovem do que ela, e bem bonitão. E não usava chapéu.
Resolveu usar o irmão num plano maquiavélico que começou a elaborar ali mesmo, por puro ciúme, porque sabia que o namorado ia para a fazenda e conseqüentemente se encontraria com a famigerada cunhada. Jogou charme e seduziu o rapaz. O namorado viu, sorriu, não deu muita bola, enfiou o chapéu, deu um beijo de despedida e foi-se embora.
Nas semanas seguintes ela saiu com o irmão mais novo, que não usava chapéu, mas em compensação um perfume fortíssimo, que lhe trazia enjôo. Fez um exame de consciência e viu que a parada estava perdida. O outro não se decidia, ela não queria esperar, e esse usava e abusava de perfume, o que ela já não estava agüentando, além de não ser um partidão como o irmão.
Os anos se passaram, ela se casou, se separou, e um dia o viu, sem chapéu, e percebeu que a cabeça era horrorosa. Ah, era por isso que usava chapéu. Cabisbaixo, segura o cotovelo de uma mulher. Seria a cunhada? Fingiu que não viu, passou batida.
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