MARCO AURÉLIO
Por muito tempo foi gerente do tráfico na comunidade onde morava. Durão, mantinha todo mundo nos trinques, embaixo da asa. Não matava, tinha horror de droga, mas a grana era boa e ele topava. Era muito respeitado, até que num vacilo a corda arrebentou pro lado mais fraco e foi preso. Ficou pouco tempo na prisão, mas ao sair, não quis o antigo posto. Queria mudar de vida, mesmo que ganhasse salário mínimo. Queria servir de exemplo para o filho, que nascera quando ele estava na prisão e já era um moleque de quatro anos.
Foi num momento de raiva que matou o vizinho. Por pura bobagem. Os dois moleques, o filho dele e do outro disputavam uma bola. O vizinho, querendo agradar ao filho, empurrou o filho do outro e ele caiu ao chão. O ferimento no braço foi coisa-à-toa, mas Marco Aurélio se enfezou, veio com a arma e matou o pai do amigo do filho. Onde já se viu? Empurrar assim, sem mais nem menos o meu moleque? A comunidade entendeu, não tomou partido e velou o morto. Mostrou serviço, o cara é bom. Fazer o quê? Mas voltar pro tráfico não queria não. Ainda mais que Rosilene pintou na jogada. Bem arrumadinha, gostosinha, enfermeira com salário fixo e casinha no alto, foi olhar e se aboletar na casa da mina. Colchão bom, se precisar de consertos domésticos, sei fazer de tudo. E foi fazendo. Nesses noves anos juntos passou por muita coisa. Conseguia trabalho ganhando uma merreca, mas cumpria horário e fazia qualquer coisa. Não assinavam a carteira, sabe como é, presidiário, a gente tem medo, era o que diziam. Mas ele agüentava firme e ia em frente. Era um cara legal, e esforçado, isso todo mundo reconhecia. O ponto alto foi quando teve um caso com a secretária do diretor da empresa onde trabalhava como chefe da limpeza e jardineiro quando o tempo dava. Ele se apaixonou e já se viu morando em Copacabana com a dona. Num por acaso de hora incerta, ele estava ali, disponível, o beijo furtivo gostoso, o volume dele, despudorado nas suas coxas, abraço apertado, resolveu arriscar. De 5 a 10, deu nota 6. O cara metia legal, mas no depois é que a coisa falhou. Não teve tino pra apreciar um bom vinho e não gostou do queijo francês e das torradinhas que ela, elegantemente, colocou sobre a mesa. Estava com fome. Atracou-se num pão com manteiga e na cerveja e lambeu os beiços de tão bom. Ficaram amigos e ele continuou com a enfermeira. O sonho de morar em Copacabana esvaiu-se na espuma da Brahma.
Foi descendo a ladeira que Lineide o viu. E caiu-se de boniteza pro lado dele. Ele fingiu que não viu. Lineide era a mulher do dono do pedaço, o Gordão do tráfico, sujeito enfezado e porco que implicava com todo o mundo e com ele, sobretudo. Não se conformava com o fato dele não ter querido voltar para a vida bandida. Esse cara é mesmo mané, ganha uma miséria e é sustentado pela mulher. Ele sabia desse disse-me-disse mas fazia-se de desentendido. E o Gordo não perdia oportunidade de alfinetar, até que um dia, na festa de aniversário do filho, os dois se cruzaram na varanda da casa. O Gordo foi logo dizendo: que que tu tava falando com a minha mulher? Não ouviu quando ele respondeu: nada- Aliás a resposta não interessava. O que interessava era extravasar a raiva, mostrar macheza. Foi de soco na cara, que logo foi revidado. O Gordo levou a mão ao queixo que já sangrava, e ao bolso, de onde tirou a arma. Mirou a testa do adversário, agora desfecho o tiro e esse filho-da-puta morre. Marco Aurélio, num esforço supremo, teve certeza que foi Deus quem ajudou, conseguiu desviar a arma e foi pra cima do Gordo com tudo: encheu o outro de porrada, cavalgou em cima e só se ouvia o som oco de quem bate para não morrer. Saiu de lá ensangüentado, mancando e conseguiu chegar à casa da irmã, quilômetros longe dali, a pé, porque taxi não conseguiu. A enfermeira, sua mulher, não quis sair do morro. Minha casa é aqui e tenho mãe pra cuidar. Ele não se conformou, afinal foram dez anos, e então, se joga tudo pro alto, assim? Mas armou a vingança. Sou um homem de bem, isso não pode ficar assim.
Planejou a emboscada, tinha vários amigos que lhe auxiliaram, e num sábado de muito sol, muniu-se de uma arma emprestada e ficou à espreita. O Gordo saiu de sua toca, qual lacraia para beijar o sol, e o tiro foi certeiro. Não voltou pra lá, não queria confusão pro seu lado, mas aceitou Lineide do lado direito de sua cama. Mulher trabalhadeira, enfermeira que nem a outra, porque ninguém é de ferro. Enfermeiras cuidam bem da gente, disse pra sua mãe, quando foi visitá-la com a nova mulher a tiracolo.
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