A AMEAÇA
A calçada, em toda a sua extensão, estava tomada por vendedores ambulantes. Estendiam suas mercadorias em panos estirados sobre o chão ou em encaixes de madeira servindo de apoio. Vendiam biscoitos, balas, bolsas e roupas infantis. Alguns se abrigavam em baixo de barracas de plásticos, imundas. Outros se sentavam ao meio fio ou em bancos improvisados. Pessoas pobres vendendo para pessoas pobres. Se a bexiga apertava, se aliviavam ali mesmo, sem pudor e na frente de quem estivesse passando. De costas, melhor dizendo. Um grupo de pessoas barulhentas atiçou a falsa indiferença dos comerciantes da calçada. Ligados o tempo todo ao menor movimento suspeito, caixas e sacolas antes invisíveis, apareciam como por milagre e mãos treinadas e disciplinadas começavam a colocar a mercadoria exposta para dentro delas, enquanto os olhos se fixavam em algum ponto no horizonte à espreita do surgimento da tropa inimiga: a Guarda Municipal. Segundos tensos custavam a passar, mas ao perceberem que o alvoroço fora causado por estudantes, voltaram a se aquietar. Uma moça parou e comprou biscoitos. As moedas rapidamente deslizaram para o bolso da calça do homem. Numa outra barraca saiu um cachorro quente quentinho com molho para uma boca ávida de poucos dentes. O pipoqueiro, naquele dia, só vendeu um saco de 2 reais. Desistiu e foi para outra esquina. O movimento estava fraco. Forte era o sol que democraticamente banhava rostos e torsos expostos.
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