ADEUS

A sensação de estranheza me pegou por inteiro. Vi-me numa bolha gigantesca, meio feto meio adulto, em círculos olhando espantado para o mundo. A cena inusitada de me sentir na bolha, desamparado, me fazia chorar lágrimas que não vinham. “Homem não chora”, dizia meu pai. Lamento, old man, chora sim e muito. Os fracos não choram se lamentam nas esquinas de suas paredes, encolhidos, esquecidos na sua má sina.
Pois chorei, sim, e muito. E que bem me fez.
Saiu de sua casa sabendo que não havia mais volta. Deixou para trás suas recordações de vida. A cabeça não virou para trás, mas os olhos grudados nas costas registraram o adeus dos cachorros, da empregada, das sombras amigas. Fragilizada, no passinho miúdo, foi largando cheiros e suspiros.
O começo do fim. A morte anunciada. Quem sai não volta.
E lá foi ela para a clínica geriátrica. Tantos velhinhos amparados por generosas mãos que lavam, secam, cuidam e dão remédios.
Continuei a chorar.
A decisão difícil me custou uma eternidade. Cálculos noturnos, soma daqui, diminui dali, minha vida numa equação matemática. Lembrei-me do desespero de nunca saber o que encontrar ao chegar a casa. A doença, a morte, a decadência física me fazendo ver o fim próximo. Doloroso. Dolorido. Da minha própria vida, quem sabe num futuro bem mais adiante. É um preço alto em passar por ela sem doenças terminais. O fim natural de quem viveu uma vida plena. Plena, será? Ah, não vou me perder em subjetividades. A realidade é o aqui, o momento que se vive, que se chora e que finalmente se entende, que o processo é esse mesmo.
Chorava de novo.
O relógio não pára.
Saí da bolha e a sensação de estranheza diminuiu. O feto assumiu sua forma adulta e não olha mais espantado para o mundo.

Comentários

-jr- disse…
Lindo texto, Maria Alice.
Beijo grande.

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