NELSON FREIRE, GILBERTO BRAGA E EU. O QUE TEMOS EM COMUM?
Setentões, os dois primeiros morreram recentemente e eu estou viva. Os dois primeiros foram pessoas talentosas, o primeiro reconhecido internacionalmente pelo talento pianístico- genial-, e o segundo o nome mais importante da dramaturgia televisiva do país. Ambos honraram suas vidas e o país. E o que tenho em comum com eles? Conheci-os, nunca fui amiga, mas tive encontros interessantes com eles.
Vou começar com Nelson Freire. Estudava piano desde os três anos de idade, tal e qual Nelson, embora sem a genialidade dele. Quando éramos crianças participamos de um concurso para jovens talentos e lá estavam Freire e Moreira Lima. Moreira Lima levou o prêmio. Depois assisti no Municipal, acho que Nelson tinha uns 12 anos, ele tocando com orquestra o Concerto número 2 de Mozart. Continuei meus estudos de piano, Nelson maravilhando o público todas as vezes em que se apresentava, até que aos 15 anos o conheci de fato. Estudava com a grande Nise Obino, assistente de Lúcia Branco (Jobim teve aulas com ela), e Nelson era o xodó de Nise. Um dia, chegando para a aula, Nise morava numa casa na R. Cesário Alvim, Humaitá, dei de cara com Nelson Freire dedilhando o piano. Fiquei estática, não conseguia me mover, Nise nos apresentou, eu fui para o piano e não consegui tocar. Ele percebeu, se despediu, mas nas semanas seguintes, todas as vezes que eu chegava para a aula semanal, ele estava lá. Fiquei menos tímida, e cheguei a convidá-lo para festas que eu dava na cobertura do prédio onde morava. Ele ia, tímido, fumava sem parar sentado num canto. As meninas não se interessavam por ele, e ele ficava lá, depois de um tempo ia embora. Bem, a história que vem depois todos sabem, a minha com ele termina aqui. Em tempo, não me tornei concertista.
Gilberto Braga, conheci assinando Tumscitz Braga era professor de francês e eu bibliotecária do USIS que ficava no prédio do Consulado Americano, na esquina da R.México. Ele era leitor, e dizia que eu uma das poucas que falava o Tumscitz sem errar. Bonito, alto, sofisticado, com um tom de voz baixo, espetacular, era um leitor assíduo e simpático. Quando a biblioteca se mudou para o térreo de um prédio na Rua Barata Ribeiro, em frente à praça Cardeal Arcoverde, ele continuou leitor, mas tinha outra profissão, era crítico de teatro do jornal O Globo. Conversávamos trivialidades todas as vezes em que ele ia à biblioteca, e ele levava um dois livros como empréstimo. Leitor voraz, diga-se de passagem. Fiz algumas peças de cunho amador, convidei-o, ele foi e escreveu críticas muito boas sobre os espetáculos que eram encenados no USACENTER. Bem, quando ele começou a escrever novelas, devido as críticas boas que dele recebi, lhe pedi um papel, e ele me deu a Cristina em Água Viva, e eu não me saí nada bem, embora tenha sido chamada para duas pequenas participações em Casos Verdades, acho que era isso. A minha história com ele termina aqui. Nunca mais voltou à biblioteca, eu continuei lá por um tempo, depois fui demitida, e segui outros caminhos. E ele se agigantou, tal e qual Freire. Eu não me apequenei, continuei com a minha vida, embora meu sonho de ser atriz não fosse para frente. Sou mais feliz hoje do que fui na minha vida adulta. Talvez em criança meu mundo era tão espetacular que chegava a ser cor de rosa. Isso muito me ajudou a suportar os revezes do crescimento. Voilà, c'est la vie.
Fiquei triste com a morte desses dois. Participaram de alguma maneira no desenrolar da minha vida, e foram muito marcantes.
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