CENA VISTA DA JANELA
Estavam os dois na grande janela olhando o movimento da rua. Ela, senhora passada dos sessenta e ele um rapaz de não mais de vinte anos. Não eram parentes, não se conheciam, apenas resolveram desfrutar, quase que na mesma hora, a paisagem vista da janela, já que não tinham muito que fazer, naquele dia entediante de outubro.
O ar pesado prenunciava chuva. O calor fazia com que os passantes parassem para comprar água dos camelôs postados ali naquela esquina por onde passavam hordas de trabalhadores humildes. Carrocinhas de camarão fedorento, de milho, de cachorro quente empesteavam o ar. Homens sem camisa conversavam aos gritos e quando a bexiga incomodava, se aliviavam por ali mesmo. Ninguém ligava ninguém torcia o nariz. Os guardas municipais, em três na esquina, de costas para a bagunça, contavam os minutos para se apresentarem a corporação e irem para as suas casas em tempo de ver as novelas da Globo.
Silenciosos, a senhora e o rapaz continuavam olhando a rua. Tiveram a atenção despertada para dois meninos de rua, talvez quinze dezesseis anos, que acintosamente pediam dinheiro a todos que passavam por eles. Alguns davam outros não. Um deles, de modos efeminados, se requebrava todo e soltava gritinhos histéricos a cada trocado recebido. Juntos dividiam o camarão, o cachorro quente, o milho. A senhora e o rapaz continuaram mudos, mas os olhares convergidos para os dois pivetes. Os dois, depois de saciarem a fome, resolveram atravessar a grande avenida de quatro pistas. Foram se metendo entre os carros e só não foram atropelados por milagre. Continuaram vendo a cena, a senhora e o rapaz. A senhora resolveu falar:
- Que coisa, você viu? Não roubaram porque receberam uns trocados. Mas eu tenho certeza que assaltam, e com muita violência.
O rapaz concordou e perguntou, timidamente.
- O que a senhora acha que vai acontecer com eles?
- Vida longa, acho que não vão ter, não. Se não matarem a vítima serão mortos um dia pela própria polícia. Não vão durar muito não.
E a senhora e o rapaz olharam para a rua em tempo de ver os dois dançando na frente dos carros, alheios ao perigo, num mundo que só eles entendem como é.
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