TOCAIA
Chamava-se Espoleta o pequinês de Lucy. E fazia jus ao nome. Danadinha e muito mimada, a cachorra era tratada como uma filha, sempre cheirosa, bem escovada, com lacinhos e vestidos a lhe enfeitarem, Espoleta ia com sua dona a todos os lugares. Apesar de ter sua vida controlada pelo relógio, Lucy lhe dedicava os fins de semana. Iam ao Aterro pela manhã, e à tarde, invariavelmente ao Cafeína, no Leblon. Espoleta adorava andar de carro, e debruçada na janela, latia para tudo que lhe chamava a atenção. Não havia quem não se encantasse com ela.
Um dia, numa tarde, num cruzamento do Jardim Botânico, Lucy foi assaltada. Com a arma encostada no vidro do carro foi obrigada a saltar para dar vez ao ladrão de assumir o controle de seu veículo. Muito nervosa, e tremendo da cabeça aos pés, obedeceu, incontinenti, ao bandido. Só que Espoleta ficou no carro e Lucy gritava freneticamente pela cachorra.
- Espoleta, por favor, devolvam minha cachorra.
E saiu correndo atrás do carro, como pode. Alguns metros adiante, encontrou-a. Tinha sido arremessada do carro, disseram alguns passantes.
Lucy ajoelhou-se e, aos prantos, pegou-a no colo com muito cuidado. Por um momento não quis acreditar que sua cachorrinha tivesse morrido, mas a imobilidade dela não deixava dúvidas. Atordoada pela violência do assalto e arrasada pela morte de Espoleta, ela ficou por uns momentos fora do ar, sem saber o que fazer. Pela mão de uma pessoa se deixou levar para um barzinho, onde tomou água e refez suas energias.
A primeira providência foi se dirigir a uma delegacia, onde deu queixa. Viu-se vítima de escárnio e de ironia por parte dos policiais de plantão.
- Não podemos fazer nada. Esses assaltos já são rotina, madame. Lamento pela cadela.
Depois se dirigiu a uma clínica veterinária. Pediu para cremá-la. Suas cinzas iam ser jogadas no Aterro, onde ela gostava tanto de ir.
Chegando a casa se desfez de todas as coisas da cachorra. O primeiro dia sem o animal foi difícil. O segundo também, mas depois de uma semana começou a ter pensamentos mais claros em relação à violência a que foi submetida e decidiu agir por conta própria.
O carro foi achado num beco do Morro Santa Marta. Por uma estranha ordem do universo, sua empregada morava lá. Começou a perguntar sobre os traficantes e bandidos do morro e foi tendo uma lista considerável de nomes de pessoas ligadas ao tráfico e a roubo de carro.
Voltou à delegacia. Queria ver fotos. Talvez reconhecesse o bandido. A má vontade do delegado foi visível, mas ela não se importou. Logo nas primeiras fotos reconheceu o bandido que a assaltou. Agradeceu e saiu de lá, arquitetando um plano perigoso. Comprou uma arma e dedicou-se a algumas horas, por semana, de aula de tiro ao alvo. Levava jeito. Com a ajuda da empregada, conseguiu um roteiro dos poucos lugares que ele freqüentava. Gostava, principalmente, de restaurantes da moda. Costumava ir com uma comitiva pequena: dois colegas e a namorada. Preparou-se. Seguiu-o noite e dia. Naquela tarde, ele estava apenas com a namorada comendo uma pizza na Capricciosa. Ela o esperou no seu carro, com a arma engatilhada. No que saíram, sua arma disparou. Fulminante. Matou os dois. Ninguém viu e não havia policial por perto. Jogou sua arma no mar e voltou calmamente para casa. Meses depois, se mudou de vez do Rio de Janeiro. Hoje mora em lugares mais gentis e tem um canil. Está muito feliz.
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