AUTOPUNIÇÃO

Tinha esse estranho hábito de se punir comendo os dedos. Era tal a avidez com que devorava as pelinhas incômodas, como sugava, com prazer, o sangue que jorrava, numa dentada mais arriscada. Sentinela implacável de si mesma, não se permitia sair da rotina rígida que se impusera. Mas, distraída, às vezes transgredia e, conseqüentemente, quem sofria eram os dedos. Ficavam em carne viva. Um dia em que a depressão bateu forte, ingeriu uma barra grande de chocolate. No que acabou de se deliciar, começou o martírio. Devagar, com o alicate de unhas, começou a devastar a cutícula. Feria, lambia e sugava. Enfiava o alicate, mordia, atacando laterais e polpa dos dedos. O sangue jorrava. Foi para os sabugos. Enfiou a tesourinha. Uma euforia danada foi tomando conta dela. Quanto mais aleijava os dedos da mão, mais se sentia feliz. Foi até a cozinha, pegou a faca e cortou os dedos da mão esquerda. Lambuzada de sangue, morreu feliz com o dedo entalado na garganta.

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